16 fevereiro 2009

ELEOTÉRIO, O BÁRBARO ADUANEIRO

E Eleotério pulou no mar de notas fiscais obstinado a descobrir qual seria o desfecho da dramática situação que impedia que sua vida voltasse ao que era antes. Tudo o que Eleotério conseguia vestir eram roupas feitas de papel de jornal e coladas com fita durex.

Sua estranha doença havia sido um reboliço na comunidade médica. Todos acreditavam tratar-se de algo da ordem das engrenagens pélvicas medianas ou mesmo de sua lubrificação. Porém nada nos exames extensivos feitos no pobre garoto pareciam confirmar tal teoria.

Cinqüenta anos atrás, Eleotério havia se inscrito em uma aula de dança de salão pois achava que seu rebolado não era requebrado o bastante, porém o endereço que o deram da escola na verdade o levou para uma arena sangrenta aonde advogados tributaristas se degladeavam até a morte com cachorros-quentes de ferro.

O garoto que apenas queria aprender a remexer o esqueleto acabou tendo que aprender, de forma dolorosa, a destroçá-lo com impactos fulminantes de seu sanduíche marcial. Os anos o tornaram um homem rústico e bruto. Eleotério não mais sonhava com o amor de uma mulher, mas sim com sua própria sobrevivência.

Com o tempo, ele se tornou o campeão absoluto, tornando a luta com grandes hot-dogs metálicos, o esporte nacional de todo o planeta. Advogados do mundo inteiro tinham calafrios de imaginar-se na arena com Eleotério, e todos sonhavam em derrotá-lo embora com o tempo aprenderam a conformar-se com o segundo lugar nos campeonatos.

Eleotério também aprendeu a forjar suas próprias armas, até que um dia teve a idéia de substituir o tradicional hot-dog de ferro por um suflé de brócolis com espinafre feito de aço. A idéia foi inusitada e seu resultado, aterrador. Na primeira luta, Eleotério partiu o impiedoso Juiz do tribunal de pequenas causas de Israelândia em dois com apenas um golpe.

Senhoras de todo o mundo, bestificadas com a violência do esporte organizaram manifestações contra tal prática, porém sua popularidade fez com que seu clamor fosse simplesmente ignorado.

Não contentes com a situação, resolveram então apelar para a feitiçaria. Duas mil e quatrocentas vacas leiteiras e um guaxinim foram sacrificados em um ritual de magia negra para que uma horrível maldição caísse sobre o grande campeão mundial.

Dito e feito, na tarde de 30 de setembro de dois mil e oito, Eleotério se viu incapaz de vestir suas roupas e calçar seus sapatos. Por mais que tentasse, um pensamento intrusivo o levava a cortar jornais em forma de roupas e antes mesmo que pudesse entender o que fazia, já estava vestido com trajes feitos apenas com as edições do dia do caderno de esportes do diário da manhã.

O rapaz entrou em pânico, não tinha coragem de se deixar ser visto em tais condições. O que diriam as pessoas de tais estranhos hábitos? Humilhação pública? Não, uma infância inteira usando um colete ortopédico com luzes de natal e um sino pendurado era toda a humilhação que Eleotério poderia agüentar.

Ele tentou a medicina, mas a ciência convencional parecia completamente ineficaz com relação à sua estranha condição. Nem mesmo os maiores terapeutas ocupacionais com pós-doutorado em musicoterapia da respiração pareciam saber qual seriam os princípios de tal morbidez oculta. Foi então que um dia, ao ir ao supermercado, Eleotério deparou-se com um grande sábio que vivia na sessão de dietéticos.

O sábio era dotado de grandes conhecimentos do oculto. Ele contou ao nosso herói que a cura para tal maldição era um caminho árduo. Havia uma flor que nascia em uma longíqua ilha no mar de notas fiscais cujo suco bebido em um copo de papel feito das palavras cruzadas do jornal de domingo era o único remédio.

Eleotério preparou seis sanduíches de pepino para cada dia, calculando que sua jornada completa demoraria dez dias, o que totalizou sessenta sanduíches. Ele os colocou em uma sacola feita com material reciclado e destemidamente, saltou no mar de notas fiscais para travar uma batalha contra seu próprio destino.

Porém ao pular, bateu a cabeça em uma pedra de basalto e veio à óbito.

Eleotério Absorto dos Prazeres
1980-2008

fim.

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